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A improvável busca do “minimalismo digital”

    Pulicado originalmente em Outras Palavras, cujo autora é Jia Tolentino, com tradução de Simone Paz Hernández

    Multiplicam-se as narrativas dos que procuram salvar-se da compulsão pelas redes sociais. É vão: não nos libertaremos da “economia da atenção” sem vencer as relações sociais e a ideologia de produtivismo que a engendram.

    “Todos os problemas da humanidade emanam da incapacidade de o ser humano sentar-se em silêncio num quarto a sós”, escreveu, em 1654, o filósofo Blaise Pascal. De acordo com a Screen Time, uma nova ferramenta do sistema do iPhone que ajuda seus usuários a enfrentar o vício que a tela do celular foi projetada para promover, minha típica rotina diária no telefone inclui noventa minutos de troca de mensagens, uma hora de leitura, mais uma hora no e-mail, mais outra hora nas redes sociais, e mais ou menos 70 “olhadas”, o que significa que eu verifico o meu telefone umas 4 vezes por hora.

    Levo meu celular comigo, como se fosse um tanque de oxigênio. Olho para ele enquanto preparo o café da manhã e levo o lixo para a reciclagem, estragando o que eu mais prezo de trabalhar desde casa: o senso de controle, a paz relativa. Tenho tentado todo tipo de artimanha para olhar menos para as telas escuras: não ativei as notificações, nem uso Facebook, nem olho os stories do Instagram; no meu computador de casa, instalei um plug-in chamado StayFocused (“Mantenha o foco”, em tradução livre), que desliga o Twitter após 45 minutos de uso por dia. No meu celular, instalei o aplicativo Freedom para bloquear as redes sociais durante grande parte do meu horário de trabalho. Se qualquer um dos dos meus cinturões de castidade digitais falha, eu começo a rolar a tela que nem uma viciada, me afastando somente para mandar emails frenéticos para o “serviço ao consumidor” desses aplicativos, com assuntos como “O Freedom não está funcionando!”.

    Para os jornalistas, o Twitter, especificamente, funciona como um tipo de trabalho contemporâneo cada vez mais familiar: pagos pela exposição, encarada como diversão. Alguns de nós também escrevemos sobre o mundo online, o que torna o uso de mídias sociais uma necessidade profissional. Ao que parece, toda semana um jornalista anunciará sua saída do Twitter, ou irá escrever uma coluna de opinião sobre como ele está se afastando das mídias sociais — um estilo de texto tão comum, que ganhou uma paródia no mês passado, no Wall Street Journal. “Quinze minutos atrás, deixei de usar o Facebook, o Instagram e o Twitter”, começava o escritor Jason Gay. “Após alguns segundos, me percebo mais feliz, menos irritado, mais contemplativo e equilibrado. Estou sendo mais gentil com os vizinhos e os bichinhos. Dedico mais tempo às atividades que importam”. Decerto, depois de meses ou anos olhando para pixels e transcrevendo os pormenores de nossas vidas, um escritor contemplando um pôr-do-sol solitário e não-compartilhado pode virar um transcendentalista presunçoso, entorpecido no gostinho efêmero de algo equivalente a um Nirvana.

    Mas não são só os jornalistas que estão na luta para se livrar do círculo infinito da bajulação, ansiedade e distração que as redes sociais fornecem. Quase 75% dos norte-americanos vêm tomando medidas para se distanciar do Facebook. Famílias inteiras procuram por um “feriado digital” (“digital Sabbath“). Pais procuram alternativas audiovisuais ao show de horrores junguiano que é o YouTube infantil. E ainda assim, um clima de inquietante impotência continua a se acumular, como uma nevasca ácida em nossa mentalidade coletiva.

    De acordo com o professor de Ciências da Computação de Georgetown, Cal Newport, “força de vontade, dicas e resoluções vagas, não são suficientes por si sós para dominar a capacidade que as novas tecnologias têm de invadir suas paisagens cognitivas”. No portfólio Digital Minimalism: Choosing a Focused Life in a Noisy World, Newport argumenta que devemos fundar uma “filosofia do uso da tecnologia”. Ele recomenda um detox digital de um mês de duração — algo como os períodos de organização e limpeza de Marie Kondo, no qual a pessoa tira uma folga completa de todas as tecnologias opcionais. Ao finalizar, o minimalista digital reintroduz essas tecnologias lentamente, respeitando seus próprios termos e cautela. Ela precisará somente de uma hora de Instagram por semana para se atualizar sobre seus bebês e cachorrinhos favoritos. Ela irá preferir, sugere Newport, ter “horários de conversa” em cafés por perto, do que trocar mensagens constantemente com seus amigos e conhecidos.

    Newport define um minimalista digital como alguém que diminui “atividades de baixa qualidade, como escorregar a tela do telefone sem pensar e a compulsão em observar coisas de forma indiferente” para favorecer atividades de lazer de maior valor, como jogos de tabuleiro, atividade física, clubes de leitura e “aprender a consertar ou construir algo novo toda semana”. O objetivo é ter uma mudança permanente de perspectiva e comportamento, como se converter ao veganismo ou ao cristianismo, em serviço de uma vida mais produtiva holisticamente – uma vida na qual nos utilizamos da tecnologia somente quando ela fornece o método mais eficiente de atender a uma meta pessoal cuidadosamente selecionada. Quando você começa a virar um minimalista digital, é importante não parar de fazer coisas, explica Newport. “Reduzir a distração fácil, sem preencher o vazio, pode tornar a vida desagradavelmente retrógrada”, escreve. Sentar-se em silêncio num quarto sozinho, não é para principiantes.

    No começo de março, decidi abraçar o clichê e tentar seguir os conselhos de Newport. Comprei um relógio básico, programei o StayFocusd para encurtar o meu tempo de redes sociais no computador de casa para 15 minutos, e mudei as configurações do Freedom, para bloquear o Twitter e o Instagram, juntos (eu já havia deletado ambos aplicativos, mas voltava a baixar e desinstalar o Instagram frequentemente, e usava o navegador do celular para olhar o Twitter). Eu fiz votos de deixar meu celular em casa sempre que passeasse com o cachorro. Não me parecia factível sair das redes sociais de vez – afinal de contas, eu sou uma jornalista – mas eu queria parar de olhar meu iPhone toda vez que tinha um momento de pausa mental.

    Mais de vinte anos atrás, o escritor Michael Goldhaber apontou, na Wired, que a internet afoga seus usuários em informação, enquanto não pára de aumentar a produção de informação; isto torna a atenção uma fonte escassa e desejada – a economia natural do ciberespaço. Goldhaber especulou que, quando a “economia da atenção” amadurecesse, quase todos teriam sua própria página web, e alertou os leitores que a “demanda crescente por nossa atenção limitada nos privaria de refletir ou pensar com profundidade (e, muito menos, curtir momentos de lazer)”. Em outras palavras, ele esboçou em grandes traços a era das redes sociais.

    Corporações de mídias sociais monetizam a individualidade cotidiana: nossas preferências e dados pessoais são rastreados e vendidos para anunciantes; nossos relacionamentos são enquadrados como canais potencialmente lucrativos; continuamente chamamos a atenção lucrativa de outros, representando uma versão daquilo que achamos que somos. Ao longo do tempo, fomos absorvendo esses termos e condições: devemos preservar muito pouco do valor que geramos, mas autorizamos as redes sociais a nos fazerem sentir valiosos. Estas plataformas encorajam o uso compulsivo, ao oferecerem modos de aprovação social — curtidas no Facebook e no Instagram, retuítes no Twitter — que são inconstantes e imprevisíveis, como se estivéssemos jogando numa máquina de caça-níqueis que nos diz quando as pessoas nos amam e quando não. A dependência, afinal, assume sua própria lógica.

    Recentemente, circularam alguns informes imprecisos sobre o Twitter estar considerando se livrar dos likes. Os usuários protestaram. Se eu pudesse ativar um interruptor que me permitisse obter recomendações de livros no Twitter e fotos de filhotes no Instagram, sem ver quantos seguidores tenho adquirido ou quantas pessoas curtiram meus posts, eu o faria. Isto me ajudaria a desperdiçar menos tempo na Internet, e me sentir menos investida nela. É claro que isto não me proporcionaria tantas infusões regulares de dopamina inútil, nem faria com que o Twitter e o Instagram — e as companhias que anunciam publicidade neles — ganhassem tanto dinheiro.

    Nos primeiros dias de minha desintoxicação da internet, me flagrei verificando compulsivamente minha inalterada caixa de entrada do e-mail e as mensagens de texto já lidas, e estudando as mesmas manchetes uma e outra vez — tentando descobrir novas informações ali, como se estivesse enfeitiçada. Levei meu cachorro para passeios mais longos, tentando usá-los inicialmente para alguns propósitos produtivos: espiar os vizinhos, planejar minha semana. Logo, aceitei um vazio tedioso e prazeroso. Uma tarde, me cobri no sofá e senti um influxo de silêncio mental que era, ao mesmo tempo, perturbador e alucinantemente prazeroso. Eu não queria aprender a consertar nem construir nada, nem frequentar um clube do livro. Eu queria me vivenciar como uma pessoa livre, leve, solta e sem nenhum propósito — qualidades que, na minha vida adulta, sempre me pareceram economicamente arriscadas.

    “Não há nada mais difícil do que não fazer nada”, escreve Jenny Odell em seu novo livro, How to Do Nothing: Resisting the Attention Economy (Como Fazer Nada: Resistindo à Economia da Atenção). Odell, uma artista multidisciplinar que leciona em Stanford, talvez seja mais conhecida por um um panfleto chamado “There’s No Such Thing as a Free Watch” (“Não existem relógios grátis”), que ela montou quando fazia uma residência no Museu do Capitalismo, em Oakland. Odell investigava as origens de um relógio sutilmente elegante, que era oferecido grátis (com frete à parte) no Instagram, e se deparou com uma casa de espelhos de fachadas digitais que pareciam ter sido geradas por algoritmos. Os varejistas se anunciavam como marcas que tinham lojas físicas na ostentosa Miami ou na hype São Francisco. Mas eram, na realidade, articulações de lugar nenhum, numa vasta rede de fraudulentos atacadistas globais, por trás das quais, raramente, uma presença humana poderia ser distinguida.

    Tal qual Newport, Odell crê que deveríamos passar menos tempo na Internet. Ao contrário dele, ela deseja que os leitores se questionem sobre a ideia de produtividade. A vida é “mais do que um instrumento e, portanto, não pode ser otimizada”, escreve. Para considerar o mundo físico suficientemente absorvente, para conceber o “eu” como algo que “excede a descrição algorítmica” — estes não são “fins por si sós, mas direitos inalienáveis, pertencentes a qualquer pessoa sortuda o suficiente para estar viva”. Odell detalha, com um maravilhamento sincero, os momentos de sua vida em que ela foi reorientada em direção a esses valores.

    Após a eleição de 2016 (nos Estados Unidos), ela começou a dar amendoim para dois corvos em sua varanda, e encontrou aconchego no fato de que “esses animais essencialmente selvagens me reconhecessem, percebessem que eu tinha um lugar no universo”. Através do Google Maps, ela também desenvolveu uma fascinação pelo córrego de trás do seu antigo jardim de infância, e foi visitá-lo com um amigo. Ela seguiu o leito do riacho, que descobriu correr por baixo do dos shopping centers de Cupertino e dos escritórios da Apple. O riacho se tornou um lembrete de que, por baixo do “mundo simplificado dos produtos, resultados, experiências e avaliações”, existe uma “pedra gigante, cujas outras formas de vida operam de acordo com uma lógica antiga, que flui lentamente, quase ctônica”.

    Odell compara elegantemente a crise em nosso mundo natural com a crise em nossas mentes: o que aconteceu com a natureza, está nos acontecendo, ela sustenta, e está acontecendo na mesma escala de próximo-de-virar-irrecuperável. Ela enxerga “pouquíssimas diferenças entre a restauração do habitat, no sentido tradicional, e a reparação dos habitats para o pensamento humano”; ambos estão ameaçados pela “lógica da produtividade capitalista”. Ela acredita que, ao revelarmos constantemente nossas necessidades e vontades às companhias de tecnologia, que peneiram nossa individualidade na busca de oportunidades lucrativas, estamos negligenciando, e até perdendo, nossas profundezas misteriosas e obscuras. As nossas “melhores partes, as mais vivas”, estão sendo pavimentadas embaixo de uma implacável lógica da utilidade.

    “O Minimalismo Digital” e “Como Fazer Nada”, poderiam ser ambos definidos como manuais de intelectuais — uma artista e um cientista da computação, ambos na casa dos 30 anos, lutando com o mesmo motivação oportuna. (em dado momento, Odell escreve que ela pensou em seu livro como ativismo disfarçado de auto-ajuda). Mais do que uma filosofia do uso da tecnologia, Odell oferece uma filosofia da vida moderna, que ela chama de “manifesto do desmantelamento”, e o qual ela projeta como o oposto da Doutrina do Destino Manifesto. Envolve rejeitar o tipo de progresso que se baseia no esforço solitário e, no lugar, enfatizar o cuidado, a proteção e a interdependência das coisas. Odell cresceu na região da Baía de São Francisco, e seu trabalho é repleto de ousados momentos hippie que poderiam provocar cinismo. Mas, para mim – e, eu desconfio que, para aqueles que têm amadurecido junto com a Internet, e que têm lidado com o ritmo e a precariedade da vida contemporânea, num misto de fatalismo ambiental e labaredas de ternura intensa – ela atingiu uma esperançosa força de possibilidade, que eu não sentia há muito tempo.

    Odell escreve sobre o primeiro sistema de quadros de avisos eletrônicos, que foi construído em Berkeley, em 1972, como um “banco comunal de memória”. Ela o compara com o Nextdoor, uma plataforma social, notavelmente paranóica, baseada em vizinhança, avaliada recentemente em US$ 1,5 bilhão. Infere, com isso, que a busca de lucros perverteu o impulso cívico saudável. Newport, que não está inscrita em nenhuma mídia social, trata geralmente o modelo de lucros destas plataformas como uma inevitabilidade infeliz.

    Odell acredita que há outros caminhos. Ela fala, por exemplo, da plataforma indie Mastodon, que é mantida por seus usuários e descentralizada. (ela é constituída por nós independentes, chamados de “instâncias”, nas quais os usuários podem postar breves mensagens, ou “toots”). Monetizar algo — uma floresta, por exemplo — é quase sempre destruí-la. Odell relembra uma famosa sequoia em Oakland, chamada Velha Sobrevivente, que teria 500 anos. Ao contrário de todas as outras árvores do mesmo tipo em sua área, nunca foi cortada, por ser escorregadia e retorcida, e se encontrar numa ladeira rochosa; pareceu pouco rentável para as madeireiras. A árvore, ela escreve, é um símbolo de “resistência-no-lugar”, de algo que escapou da apropriação capitalista. Como Odell aponta, o único caminho em frente é ser como a Old Survivor. Temos que ser capazes de não fazer nada – apenas para dar testemunho, para permanecer, para dar abrigo ao outro – para resistir.

    Apesar do sentido político de seus escritos, Odell não recomenda políticas legislativas particulares que enfrentariam a situação. Ela localiza o potencial para mudança em atos individuais de recusa que, argumenta, abrem espaço para que outros possam aderir. Ela cita a greve dos portuários da Costa Oeste dos Estados Unidos, que durou 83 dias em 1934. Suas origens remontam a uma publicação anônima de protesto que apareceu em 1932, chamada O Trabalhador Portuário, e a reorganização dos sindicatos que se seguiu à Lei de Recuperação da Indústria Nacional, em 1933. A greve espalhou-se por uma área de quase 3,5 mil quilômetros e teve simpatia nacional nos EUA. Os agricultores doavam comida, as mulheres formaram uma rede de cuidados. A greve alastrou-se por toda a cidade de San Francisco, depois que a polícia matou dois piqueteiros e acendeu a chama de uma greve geral. É disso, diz Odell, que precisamos. Um projeto de “recusa, boicote e sabotagem” – um “espetáculo de desobediência que atinga o público em geral”.

    Se eu fizesse greve, em meu quase-trabalho, nebulosamente compensado, como provedora de tuítes estúpidos sobre meus textos e problemas pessoais, não haveria meio de tornar esta ação visível no Twitter sem negar seu efeito: falar contra algo dentros dos limites da economia de atenção é, inevitavelmente, atrair mais atenção para ela. É difícil imaginar como atos individuais de recusa poderiam construir força coletiva fora da plataforma que querem denunciar. No ano passado, um ex-empregado da Cambridge Analytica revelou que a empresa havia coletado dados de milhões de usuários do Facebook e oferecido estas informações à campanha de Trump. A hashtag #deletefacebook bombou — no Twitter.

    Sean Parker, o primeiro presidente do Facebook, chamou a plataforma de um “círculo de validação social”, construído por meio da “exploração da vulnerabilidade da psique humana”. Tristan Harris, que trabalhou como “ético de design” no Google, afirmou que os celulares são construídos para ser viciantes. O governo norte-americano já regula diversas substâncias viciantes, e há planos para monitorar as empresas de mídia social de modo mais intenso. Mark Warner, o senador democrata da Virgínia, lançou uma série de propostas, como permitir que o governo estabeleça padrões obrigatórios para os algorítmos — e faça sua auditagem. A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, pediu a Ro Khanna, a deputada cujo distrito inclui as sedes da Apple e Google, para esboçar uma “Carta de Direitos na Internet”, que dê conta do acesso, privacidade e neutralidade da rede. A senadora Elizabeth Warren concorda que a Amazon, o Facebook e o Google tornaram-se monopólios, e precisam ser quebrados.

    Mas nenhuma destas propostas diz diretamente respeito à monetização da atenção, que preocupa tanto Newport quando Odell. Os legisladores deveriam ser capazes de assegurar aos cidadãos mais controle sobre os dados que estes geram ao usar a internet. Mas as empresas de mídias sociais irão, presume-se, continuar a tratar seus usuários como países que podem ser saqueados, para tornar algumas pessoas muito ricas.

    Continuamos atados a estas tecnologias, de uma maneira que está afetando claramente a saúde do corpo político. Newport insiste em que a nossa ausência de paz e sossego mental, impulsionada pela internet, é uma melhor explicação para a onda de ansiedade nos EUA do que “a última crise – seja ela a recessão de 2009 ou as tumultuadas eleições de 2016”. Ele cita o argumento de Virginia Woolf em favor da solidão produtiva, em Um Quarto só para Si, o manifesto de 1929 em que ela explica que uma mulher do século XVI, com dom para a poesia, teria sido uma “mulher em conflito consigo mesma. Todas as condições de sua vida, todos os seus instintos, eram hostis ao estado mental necessário para libertar tudo o que tivesse na cabeça”. Newport escreve, “no tempo de Virgínia, uma sociedade patriarcal negava às mulheres a liberdade. Em nossa época, a opressão é cada vez mais auto-imposta, por nossa preferência pela distração das telas digitais.”

    Ler esta frase produziu em mim uma reação que frequentemente sinto, quando olho para o Twitter: primeiro, morro de rir; em seguida, fico triste. Newport, que escreveu os livros How to Win at College (“Como vencer na faculdade”) e How to Become a Straight-A Student (“Como se tornar um estudante nota dez”) antes de sua guinada filosófica, reconhece que diversas das maiores empresas do mundo agora baseiam-se em modelos de lucro que “reduzem a autonomia, inibem a felicidade, estimulam os instintos mais sombrios e afastam das atividades mais valiosas”. Mas ele nunca identifica como culpada a ideologia que permitiu o florescimento sem limites destes modelos de lucro. Ele descreve os smartphones e as mídias sociais como tecnologias que buscam explorar os indivíduos. Num capítulo intitulado “Junte-se à Resistência da Atenção”, ele adverte os minimalistas digitais de que precisarão de um “compromisso implacável para evitar a exploração”.

    Ele não sugere, no entanto, que a exploração deva ser ativamente interrompida, mas apenas evitada. Mesmo quando compara as mídias sociais aos cigarros, ele não menciona a possibilidade de regulamentação governamental. Um dia desses, e em qualquer cantinho, devido à atomização engendrada pela mídia social, vamos sentir que tudo foi privatizado e individualizado em “Digital Minimalis”, também a ética e a política são reduzidas ao indivíduo: não é, argumenta o livro, o sistema de poder que interessa, mas o que você escolhe fazer com ele. Vive la résistance, escreve Newport.

    Odell e Newport citam uma inspiração filosófica comum: Henry David Thoreau. Newport admira a ideia de Thoreau segundo a qual “o custo de alguma coisa é o volume do que chamarei de vida necessária para trocar por ela, imediatamente ou a longo prazo”. Odell preza a orientação de Thoreau por “um estado ainda mais perfeito e glorioso, que também eu imaginei, mas não vi em nenhum lugar ainda”. Mas Thoreau, cuja mãe ficou conhecida por lavar roupa, durante seus dois anos de acampamento na propriedade de Ralph Waldo Emerson, em Walden Pond, é um exemplo involuntário da dificuldade se afastar da sociedade. Ele é também um lembrete de que uma vida de afastamento enriquecedor é mais alcançável para aqueles com certos privilégios.

    Comecei a tuitar há uns sete anos, depois de me mudar do Texas para o Michigan, para um mestrado em artes visuais. Publicava ensaios e entrevistas, e tuitava links para eles, para tornar minha conta na rede menos chata. Compartilhava meus pensamentos mais sérios e os mais irreverentes. Tornei-me editora em tempo parcial — e depois completo — em Nova York e, mais tarde, um posto de redatora na mesma revista. Minha capacidade — até mesmo minha ânsia — de tornar-me digitalmente acessível jogou um papel. Ao permitir que a economia da atenção tivesse acesso à minha individualidade, obtive o capital profissional que agora me permite deixar de fazê-lo, se desejar. Odell, que usa o Twitter e acredita que uma “renúncia total” a um meio tão central culturalmente seria, para ela, um erro tanto pragmático quanto moral, reconhece que vivemos num tempo “em que todo mundo, de trabalhadores da Amazon a estudantes universitários, vê sua margem de recusa encolher e os apelos ao envolvimento crescerem.”

    Muitas pessoas ainda ganham a vida offline, mas a presença online é, com frequência, um requisito não apenas para os trabalhos da economia gig, mas para manter articulada uma rede de segurança financeira (uma em cada três campanhas do GoFundMe, uma plataforma de financiamento pessoal, é para cuidados médicos. Cada vez mais pessoas tornam-se incapazes de se manter desligadas. Praticar o minimalismo digital pode ser semelhante a contratar um personal trainer, ou desenvolver meditação transcendental — uma forma rara de auto-aprimoramento. Odell acredita que este tipo de mudanças vai, ainda assim, reverberar, que vai reacender o apoio a espaços públicos não comerciais que beneficiam todos. “Se você pode pagar um tipo diferente de atenção, você deve”, escreve ela. Newport cita o comediante Bill Maher, que, há dois anos, disse, em seu show “Real Time, do HBO, “conferir seus likes é o novo tabaco”. No último ano, tanto o Twitter quanto o Facebook viveram ondas de más notícias. Apesar de toda sua ubiquidade presente, as mídias sociais podem, algum dia, ocupar um status semelhante aos dos cigarros.

    Ocorreu de minha limpeza de internet inspirada em Newport coincidir com um punhado de outros eventos que me fizeram sentir crua e não-administrável. Era o final do inverno, com seus súbitos degelos e estranhas flutuações — o tipo de clima em que um dia de sol é como um estranho sendo gentil quando você chora. Eu tinha acabado de escrever um livro que envolveu mergulhar em meu passado. As horas diárias que eu tinha passado convertendo minha experiência em algo de valor profissional e financeiro estavam agora vazias, e eu estava consciente de quão pouco tempo tinha gasto cuidando de outras pessoas e coisas ao meu redor. Comecei a pensar sobre individualidade como um campo de flores silvestres que tivesse sido pavimentado pela internet. Comecei a comprar plantas para casa, de modo frenético.

    Também me descobri mais grata a meu telefone que nunca. Havia me tornado mais consciente sobre por quê uso tecnologia, e como ela satisfaz minhas necessidades, como Newport recomendou. Não significa escrever para meus amigos sempre que penso neles, nem usar o Viber e falar com minha avó nas Filipinas, ou sentar no ônibus B54 e me distrair do tráfego parado olhando para o paradoxo de Fermi e escutando qualquer canção do A Tribe Called Quest que eu deseje ouvir. Todas estas possibilidades ainda parecem coisa de ficção científica, e nenhuma envolve Twitter, Instagram ou Facebook. Me ocorreu que duas das tecnologias digitais mais apreciadas – podcasts e grupos de mensagens – libertam das piores características da economia da atenção. Os podcasts frequentemente demandam audiência duradoura, durante horas ou semanas, a algumas vozes humanas. Os grupos de mensagens são o último espaço social não comercializado nos smartphones de muitos membros da geração do Milênio.

    No primeiro dia de abril, fiz um balanço do meu experimento digital. Não havia me tornado uma pessoa diferente, ou melhor. Não havia me habituado a atividades de lazer elevadas. Mas havia sentido um tipo de dor e maravilhamento que me levou de volta ao ano em que vivi no Peace Corps (Corpo da Paz), vagando na poeira, ao pé de bétulas da altura de prédios, assombrada e emocionada pela sensação de ser irreconhecível, misteriosa diante de mim mesma, não vista. Refleti sobre meus parâmetros de liberdade, que já havia aprendido a romper, e me entreguei.

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    Por Jia Tolentino | Tradução: Simone Paz Hernández | Imagem: Brecht Vandenbroucke

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