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Google, ou o consumismo no século XXI

    Pulicado originalmente em Outras Palavras, cujo autor é Patrick Berlinquette, com tradução de Marianna Braghini

    Quando jornalistas preguiçosos são pessimistas em relação à Alexa, da Amazon, ou o Google Home, eles dizem coisas como: “Mesmo Orwell não poderia ter previsto que estaríamos dispostos a trazer o Grande Irmão para dentro de nossas casas.”

    O que eles esquecem de mencionar é que nossa disposição em trocar privacidade por conveniência não começou com o advento de assistentes virtuais. Começou no início dos anos 2000, quando as pessoas – em troca de ter acesso aos produtos Google e ver anúncios mais relevantes – permitiram à empresa capturar todos seus dados.

    Atualmente, a Google fornece a publicitários como eu, tanto dos seus dados pessoais que nós podemos deduzir mais sobre você do que por meio de qualquer câmera ou microfone. Nunca houve tantas oportunidades para explorar seus dados. Hoje, são feitas 40 mil consultas por segundo no Google. São 3,5 bilhões de buscas por dia, 1,2 trilhões por ano.

    Quando você faz uma busca, sua consulta viaja até um centro de dados, onde até mil computadores trabalham juntos para buscar os resultados e enviá-los de volta a você. Todo este processo geralmente acontece em menos de um quinto de segundo. A maioria das pessoas não percebe que, enquanto isso acontece, um processo ainda mais rápido e mais misterioso se dá por trás das cenas: um leilão está ocorrendo.

    Toda busca na internet contém palavras-chave, e as palavras-chave que você digitou no Google são disputadas por publicitários. Cada um dos que oferece um produto relacionado à suas palavras-chave quer que seu anúncio seja visto e clicado.

    Então, como brinquedos de desenhos animados que correm para voltar à posição correta antes que seu dono acenda a luz, os anúncios finalizam suas posições antes que sua página de resultados customizada reapareça em sua tela.

    Geralmente, os primeiros quatro resultados da busca – o que você vê antes de rolar a tela – são todos pagos por publicitários. Se você não sabia disso, você não está só. Mais de 50% das pessoas entre 18 e 34 anos não conseguem diferenciar um anúncio de um resultado orgânico no Google. Para aqueles acima de 35, este percentual cresce proporcionalmente. (para maximizar este percentual, a Google está sempre trabalhando para encontrar anúncios visuais que melhor se misturem aos resultados orgânicos.)

    No momento em que você clica em um anúncio, suas informações são passadas adiante, através de mecanismos de busca marqueteiros, onde estarão para sempre armazenadas em uma conta do Google AdWords – para nunca mais serem apagadas.

    Eis uma lista de tudo que a Google sabe de você – e portanto todos os meios pelos quais você é rastreado – até Dezembro de 2018:

    • Sua idade
    • Sua renda
    • Seu status de parentesco
    • Seu status de relacionamento
    • Seu histórico de navegação (de curto e longo prazos)
    • Seu dispositivo móvel (celular, tablet, PC, televisão)
    • Sua localização física
    • A idade de seus filhos (bebê, criança etc)
    • Como você se saiu no Ensino Médio
    • Seu nível de ensino
    • Os horários e dias em que você usa o Google
    • A língua que você fala
    • Se recentemente aconteceu um grande evento na sua vida
    • Se você tem imóveis
    • Sua operadora de celular
    • As exatas palavras que você digita na busca do Google
    • O contexto e tópicos dos sites que visitou
    • Os produtos que você compra
    • Os produtos que você quase comprou
    • Seu tipo de Wi-Fi
    • Sua proximidade de uma antena de celular
    • Seu histórico de instalação de aplicativos
    • A quantidade de tempo que você passa em determinados aplicativos
    • Seu sistema operacional
    • O conteúdo de seus e-mails
    • O tempo que você passa em certos sites
    • Se você está se mudando (por exemplo para uma nova casa)
    • Se você está se locomovendo (por exemplo andando ou no metrô)

    *Os métodos de segmentação acima são disponibilizados para os comerciantes de mecanismos de pesquisas, pela Google na interface de anúncios dos anunciantes. As informações também estão disponíveis gratuitamente aqui.

    Desde o momento em que você começou a usar o Google, a corporação constrói seu “perfil de cidadão”. Ele contém:

    Em 2019, estaremos próximo de realizar o Santo Graal do marketing por mecanismo de pesquisa: atribuição em multi dispositivos. Quando esta tecnologia estiver disponível, os anúncios seguirão os usuários de consulta incansavelmente – não somente por meio de canais (por exemplo, social, orgânico, e-mail) mas entre dispositivos (por exemplo, de seu celular ao tablet, ao notebook e até a TV.)

    Dependendo de sua fidelidade a uma marca, por exemplo, sua TV irá emitir uma super frequência durante certos comerciais. Indetectável pela obsoleta audição humana, este sinal só poderá ser captado por um celular que esteja próximo. Se um comercial da Nike aparece em sua TV e então você pega seu celular e busca no Google “tênis Nike”, seu caminho de conversão foi conectado de sua TV até seu celular. Que beleza!

    Apesar da vigilância estar em basicamente todos aspectos de nossas vidas, há pouca informação disponível ao público acerca do que realmente está acontecendo.

    Os profissionais de publicidade já sabem se você é um viajante diário. E eles te mostram anúncios de produtos que viajantes diários estariam interessados em comprar, como fones de ouvido, bolsas de notebook de couro pré-desgastado e lenços para soluçar em voz rouca. Como os marqueteiros sabem se você é um viajante? Fácil: a frequência que seu telefone emite entre antenas de celular. Se as emissões ocorrem próximas, um marqueteiro pode concluir que você está parado em um objeto em trânsito em uma grande velocidade, com poucas ininterrupções – também conhecido como um trem.

    Busque um produto em seu celular e, em seguida, vá fisicamente a uma loja. Faça isso nesta ordem, e as chances são de que a Google usou os dados de GPS do seu telefone para conectar seu clique em um anúncio e sua compra na loja física.

    Para fornecer aos marqueteiros maiores detalhes sobre suas compras em lojas físicas (offline), a Google adquiriu (pagou milhões) os dados de cartão de crédito Mastercard. A Google já reconheceu que tem acesso a cerca de 70% das compras em crédito e débito nos EUA por meio de “parcerias terceirizadas”. Nós iremos olhar para este número e considerá-lo pitoresco.

    Lá em Dezembro de 2008, Hal Hoberts, um membro do Centro Berkman Klein para Internet e Sociedade, de Harvard, falou sobre o Google Ads [ferramenta de anúncios da Google] como uma forma de “vigilância turva” que, junto com os profissionais de marketing, capturou e explorou seus dados.

    Mas diferentemente de outras formas de vigilância, a Google não poderia te assassinar ou te jogar na cadeia.

    O Google Ads é parte de uma “vigilância turva” porque a exploração, disse Roberts, é difícil de detectar a nível individual. Entretanto, ele continuou, já estava exercendo “um papel central na criação do discurso social online”. E dez anos depois, a exploração no Google Ads está mais difícil ainda de detectar.

    Apesar de estar vazando vigilância em basicamente todos aspectos de nossas vidas, há pouca informação disponível ao público acerca do que realmente está acontecendo.

    Em 2019, eu gostaria de mudar isso.

    As pessoas contam ao Google coisas que não confessam em mais nenhum lugar – nem seus cônjuges, médicos ou terapeutas.

    Por meio desta série, eu irei revelar tudo que sei sobre o lado obscuro do mecanismo de pesquisa de marketing. Irei explicar, em linguagem simples, como a Google e Google Ads trabalham “às escuras” para rastrear seus dados.

    E então irei expôr, a partir da perspectiva de alguém de dentro do mundo da publicidade, o que a vasta maioria do público não sabe: como o Google Ads é usado (e abusado) por marqueteiros de mecanismos de pesquisa e como as pessoas são essencialmente compradas e vendidas por meio desta plataforma. Contarei o que a Google tentou fazer para consertar o Google Ads. Finalmente, proporei aos leitores um conjunto de passos que podem dar para se proteger da exploração na Google – incluindo como reassumir o controle de seus dados, resgatando-os dos publicitários insidiosos e dos marqueteiros de mecanismos de busca que montaram o jogo.

    Atualmente, as pessoas contam ao Google coisas que não confessam em mais nenhum lugar – nem aos seus cônjuges, médicos ou terapeutas. Mas os usuários da Google não seriam tão francos com o mecanismo de busca se entendessem até onde vai o fundo desse poço. Com a informação de alguém de dentro, espero que os leitores possam retornar a um lugar onde Google não é a única opção disponível para contarem seus medos, arrependimentos, esperanças e sonhos.

    Ao fim desta série, os leitores estarão equipados com o conhecimento para repensar sua relação com a Google. E se alguns deles decidirem que o Google ainda é sua escolha de mecanismo de busca, talvez eles possam usar o sistema, ao invés do contrário.

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    Por Patrick Berlinquette | Tradução: Marianna Braghini

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    1 comentário em “Google, ou o consumismo no século XXI”

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